31.1.10

Seo Aurelio

Aurélio, 89.


Ele é dono de um botequinho na altura do 500 de uma rua perdida da cidade onde estou hoje. Vim para uma festa, um almoço cheio de gente no qual nada comi nem bebi. Fiquei meia hora, conversei com meia dúzia, e saí andando a pé, desbravando as redondezas, sem camisa, tomando sol, ao deus-dará. Três da tarde. Vejo um balcãozinho humilde com doces de abóbora. Entrei. Nenhum cliente. Seo Aurélio almoçando sentadinho numa cadeira de plástico com o pratinho no colo. Era um prato de sobremesa com um pouquinho de baião-de-dois e uma lasquinha de carne. Sempre come pouco, justificou. E nunca toma remédio. Só usa óleo de girassol. Para tudo: temperar salada ou passar nas pernas, se dóem. Não tem reumatismo nem stress. Assim como eu, só vai morrer depois dos 120. É uma figura. Conversamos por um tempo, trocando emoções e respeito. Merece uma história. Uma história de amor.

Dê um click na foto e veja algumas do botequinho. E também a foto do seo Aurélio no momento em que lhe dei (em 03.02.2010) o Manual da Separação.

30.1.10

Giulia

Giulia, 7.

Ela fala um pouco de francês, italiano e alemão. E tem um vocabulário amplo, extraordinário. Articulada, simpática e belíssima. Sabe o que é glamour e adora macarrão. Um dentinho está quase caindo. Como se pode concluir, a Natureza às vezes cria certas obras primas tão maravilhosas, que nem a Arte será capaz de aperfeiçoar. Neta da Dryade. Ilumina o Flat Palladium.

vendedor de contos incompletos

Paritosh era um vendedor profissional de contos e poemas incompletos, para que leitores e poetas consagrados lhes dessem continuidade. Ele criava personagens, elaborava uma pequena trama, acendia metáforas com fogo de palha, e depois vendia essas histórias de porta em porta. Carregava os textos numa velha maletinha de couro marrom, todos eles juntinhos, espremidos delicados um no outro, como se amparassem a si mesmos em busca de quem lhes desse um fim. Tão espremidos, que muitas vezes alguns personagens saltavam de um conto para outro, várias flores e figuras dançavam entre si... E o vendedor considerava-se bem pago, mesmo quando não era bem recebido. Uma porta em sua cara, uma cara feia do outro lado, um sorriso de criança, um elogio, uma recusa, um copo d'água: tudo para ele era belo. Tudo era obra do Acaso. E ainda que não vendesse conto algum, ainda que lhe rissem dos poemas, voltava sempre satisfeito para casa. Com idéias novas para novos contos, e com metáforas em folha pra jogar no seu jardim.

Ele vivia de literatura interativa, virtualmente alimentado por pequenas e por grandes emoções.

Acho que ele era eu.

29.1.10

sou rebelde

Sou rebelde.
Fui, sou — e sempre serei contra os conservadores.
Sou revolucionário em todos os sentidos.
Amo a vida, a liberdade, o amor.
Isso já vem de família. Não é genético mas é hereditário. Meu bisavô Luiz Marques já era um rebelde: trocou o futuro garantido e certo por um presente gostoso e mais incerto ainda. Um belo dia jogou fora o velho baú das verdades antigas, e tomou aquelas decisões que só os grandes homens conseguem tomar: Montou o cavalo negro do risco absoluto e partiu!

Abandonou tudo para não ter que abandonar sua própria alma — sua própria existência! — naqueles caminhos já percorridos. Ele também já sabia que o único crime que não tem perdão é desperdiçar a vida.

Não fosse por isso, eu certamente não estaria aqui, agora, todo coração, tomando essas duas taças de vinho vermelho e contando minhas histórias de amor pra você.

Sou portanto bisneto da rebeldia.

Bisneto da rebeldia, neto da emoção, filho da loucura, irmão do desejo, primo do prazer, amigo da liberdade — e amante de todos os meus amores.

E existo, por incrível que pareça:
No céu da minha boca não há fogos de artifício:
— Só estrelas.

28.1.10

meu cérebro ri

Acontece que meu cérebro às vezes ri das escolhas que meus olhos fazem. Mas ambos logo se pacificam e eu prossigo cavalgando propósitos como se a Vida fosse um cavalo branco enluarado, puro-sangue, indomável. Faço analogias em silêncio, invento nadas e tudos que ainda vão existir, crio conceitos, e me questiono sobre todas as coisas. Depois, destruo as minhas convicções — como se estivesse destruindo as tuas.

amor cansado

Um dia eu senti que aquela relação de amor estava (se) (me) (lhe) (nos) cansando. Então, olhei direto nos olhos dela e lhe disse, delicadamente:
— Não posso mais condicionar o meu galope ao teu trote...

E saí.
Galopando.

27.1.10

solidão infinita

Uma solidão involuntária é sempre tediosa. Ao contrário, a minha é romântica, radical, poética, profunda — e opcional. Cravejada de amantes, ela brilha. E eu a construo a partir das múltiplas presenças que escolho ao longo da vida. Ao longo do dia. Por isso, não se trata de suportá-la — mas sim de desejá-la ardentemente.

24.1.10

rede amarela

Desarmo na beira da praia a rede amarela e me lembro de Artaud. E do meu avô Joaquim, o carroceiro — que sequer conheci. Artaud você sabe quem foi, e meu vô Joaquim é aquele que gastava uma semana inteira para juntar os ingredientes da macarronada de domingo. Uma história triste e bela ao mesmo tempo. Ficou louco, o coitadinho. Mas ficou louco do lado errado... Depois eu conto a respeito. Ficar louco é muito fácil. Mas só a loucura brilhante é que nos leva ao templo da sabedoria. Por isso é que, entre a sensatez paralítica das coisas normais e a loucura poética daquilo que excita — fico com esta, naturalmente!

corcoveie

Quanto menor a carga, você sabe, maior a liberdade.
Carga nenhuma = liberdade total!
Pense nisso e radicalize:
Corcoveie!

23.1.10

corcoveie

"Demens" é a nossa parte que sonha, cria, dança e delira.
É o lado verdadeiramente humano do Homo Sapiens.
A desobediência crítica, a desobediência inteligente, racional; a desobediência criativa — isso é o que sempre busquei para mim mesmo, em todos os sentidos.
E encontrei.
Se eu não for louco por mim, quem será?
Metade do meu cérebro eu a tenho sob controle absoluto, mas a outra metade é totalmente descontrolada.

22.1.10

lucifer


Lúcifer, o iluminador — não deve ser confundido com Satanás, que é uma invenção de judeus conservadores. A diferença fundamental entre ambos é a seguinte: enquanto Satanás foi criado para impor medo, Lúcifer é um fornecedor de coragem. Um revolucionário. Um símbolo de resistência à Autoridade. Um rebelde inteligente. Lúcifer, em grego, é Fósforos. Eis um pouco de mitologia grega. O planeta Vênus, que de manhã se chama Lúcifer, à tarde se transforma em Vesper. Filho da Aurora e de Zeus, Lúcifer é o condutor de todos os astros. Ajudado pelas Horas, toma conta do carro do Sol e de seus belos cavalos brancos. É ele quem anuncia aos mortais, toda madrugada, a chegada da Aurora, sua gloriosa mãe. Lúcifer, repito, é um fornecedor de coragem. É a estrela da manhã. O Deus da Luz.

21.1.10

cruciais e deliciosos

Cruciais e deliciosos, estes momentos que atravesso e que hoje me tocam docemente. A vida encontra-me agora voando no limite da coragem. Minha profissão é perigosa: Sou amante do Risco e do Instável, do Incerto e da Surpresa. Entre um largo muro de cimento preso ao chão e a corda bamba de seda à beira do abismo — opto por esta, sempre. Sou um trapezista maluco no escandaloso Circo da Emoção. Todos os meus saltos são mortais, alegres e profundos. Eu viro a lona azul do céu que me descobre pelo avesso. Meu coração não tem juízo... Como poeta libertário, seria pouco não fosse assim. Porque não tenho razões para ser de outra forma. Se posso ser tudo, não preciso ser médio nem comedido — e não quero ser nada além de mim. Amo a Liberdade como se não pudesse amar outra coisa. Não consigo mais viver em conta-gotas: eu agora só vivo aos borbotões.

19.1.10

palavras e velas

Tem dias que eu tento conter este furioso coração que salta profundo de mim, e que me fura de dentro pra fora. Selvagem, poético, livre — e meu: eis o meu coração, meu amor: escancarado em teus braços... Porque em mim agora não existem outras estações. A primavera toda cresce dentro do meu peito, e as flores já não murcham mais. Sou um trem desgovernado em direção ao interior. Zen, vazio de tudo mas cheio de graça, com seu louco motivo e doce razão. E o apito sinuoso que se ouve daqui, respeitoso, se curva.

Também não quero que me considerem muito original: eu apenas repito o que me dizem os pássaros. Transformo em português, literalmente, os cantos que eles cantam para mim. E repito-os para que vocês possam ouvi-los de verdade em nossa língua. Às vezes, quando chove chuva e o canto deles vem molhado, limpo um pouco o seu trinado, acrescento algumas notas, pinto-as de vermelho, reescrevo a melodia. E transformo o bem-te-vi em bem-te-vejo. O beija-flor em minha estrela. O pardal em perdão, o tiziu em tesão. E abro todas as gaiolas.

Eu modifico perfumes e flores em palavras e velas — e planto meu verbo num jardim que fala. Hoje há um canteiro de ternuras e rosas no meu corpo falante. Então, as palavas as digo, e as rosas, acendo — ou as uso para singrar oceanos com a força do vento. Por isso é que transformo em ousadia o que me diz a Natureza — e parto em busca de mais aventura e mais liberdade.

Todo dia.

18.1.10

alma acomodada

Se algum dia minha alma ficar mais acomodada do que louca, serei o primeiro a deixar de me amar.

17.1.10

amar é

Certa vez, ainda adolescente, quando eu estava começando a entender a vida, escrevi a minha definição de amor. Que era mais ou menos assim:

Amar é permitir sempre, amar é deixar que o outro vá — ou que fique, se assim o desejar. Amar é ter um respeito absoluto pela própria liberdade e pela liberdade do outro. Amar é compreender sempre. E isso não significa apenas entendimento racional, vai além, muito além: Amar é reconhecer, afetuosamente, o direito que o outro tem de fazer suas escolhas.

(Mesmo que essas escolhas eventualmente me excluam.)


E hoje, quando estou vivendo minha segunda adolescência, mantenho a mesma definição de amor. Inseparável da Liberdade. Amor aberto, ventilado e gostoso. Com nenhum sentimento de posse. Nenhuma exclusividade forçada.
É por isso que eu e a Vida nos entendemos tanto.
Até porque, se o Amor não for livre, será um amor preso...
Preso, encarcerado, engaiolado: um horror.
Parece amor, mas não é!
Portanto, se o teu não for livre, chame-o de qualquer outra coisa — menos de amor.

15.1.10

relógio edson

Em 2001 quebrei os ponteiros de um relógio e escrevi:
É mais tarde do que você imagina.
Só deixei o ponteiro de segundos, e o tic-tac...

12.1.10

ideias verdes

Não quero nunca amadurecer minhas ideias. Em verdade, quero torná-las ainda mais verdes, mais puras, mais viçosas, mais crianças, mais inocentes... Mais fáceis de serem pensadas e sentidas com alegria profunda. E portanto mais belas e velozes, para que se transmitam galopantes nesse nosso doce cavalo alado chamado Amor.

10.1.10

as faces da lua

Acabo de ver a nova lua aqui no céu do Paraná. Envolta em nuvens, como que protegida por elas — ou aprisionada por elas, talvez. Entretanto, sabemos que a lua não precisa de proteção nem se deixa aprisionar. A lua é que nem o meu amor: livre, está muito acima das nuvens. As nuvens são todas passageiras — mas a lua permanece a mesma. Aliás, a lua também muda, mas não a sua essência. Ela gira sobre a Terra, numa dança espiralada, um frenesi a milhares de quilômetros por hora. Enquanto dança, ela nos permite que lhe vejamos outras faces suas, nuas. Tem a face que parece minguar, tem a face que parece crescer, tem a renovada e a completa. Mas tem outras, tantas, que sequer imaginamos.

Contudo, seguindo o que lhe disse Jesus Cristo certa noite lá no sul da Galiléia, quando lhe acariciamos a fase esquerda, ela nos mostra também a direita.

A lua sempre me fascina.
Quando olho pra ela, meu coração se ilumina.

7.1.10

nubia

Aqui no jardim da minha mãe eu caminho com estrelas no meu peito e com flores na cabeça. Nesta tarde de alegria, logo depois de ter tomado suco de araçá com pitanga, eu me lembro de Paganini. Meu espí­rito inspirado pela música sobe à flor da minha pele. Meu coração luminoso, colorido — me seduz e me conduz. Enquanto o suco de pitanga cai direto lá no céu na minha boca, o universo inteiro entra em foco, o beija-flor sobrevoa outra vez um copo de leite, e a vida me convida pra dançar... E me lembro de Paganini porque Núbia é violinista. Ela então acomoda seus dezesseis anos todos numa cadeira branca — e começa a tocar para essa platéia entusiasmada de ninfas, duendes e fadas que habitam o jardim. Ela toca para o beijo e para as flores, ela toca para a vida, ela toca para o sol, ela toca para Deus.

Ela toca para mim.

se a palavra me fere

Se a palavra me fere, não sou eu que desmaio — ela que perde o sentido.
Se um verbo me agride, não revido: me esquivo.
Se quebram meu brinquedo, eu conserto.
Se me roubam o carro, compro outro.
Se furam minha bola, tenho mais.
Se acaba o vinho, tomo leite.
Se chove, danço na chuva.
Se faz sol, me bronzeio.

Para mim, tudo é motivo para viver.
Só quando me falta a Liberdade é que me sinto morto!

6.1.10

aqui se pode sonhar

Eis a pergunta que faço a todo lugar onde vou:
Aqui se pode sonhar ?
Se a resposta for sim, eu fico.
Se for não — caio fora.
Na hora!

2.1.10

aniversario iracy


Como se pode notar, eu sempre me alimento de Amor e de Mãe, de risco e paixão, de glória e loucura, poesia e mulher. E de liberdade — é claro.


Hoje, aniversário de minha Mãe, estou aqui, ao lado dela — amando-a!


Ainda sou puro, inocente, pequenino. Ainda sou criança... Hoje de manhã aguei as plantas, vi beija-flores no jardim, colhi uva com a boca na parreira, tomei sol em grandes goles, meditei com minha mãe e meus irmãos.

mesós potamós