19.4.24

Meu Pai e os girassóis

 

A melhor lição que meu Pai me deu.

Se. Eu. Não. Estudar. Eu. Vou. Me. Foder.



MESTRE ZEN COM VARA DE MARMELO

Meu pai era racional demais, disciplinado demais, e ético demais. Dominava o cálculo, era íntimo dos números, ensinou-me a tabuada do 13 quando eu tinha sete anos. Quem não sabe a tabuada não vai longe, ele me dizia. Nasceu para o comando. Era dono de uma violência verbal impressionante — e nunca deixava pra depois as broncas que pudesse dar. Exagerado, tinha seus momentos de loucura: de vez em quando mandava fazer almoços festivos para crianças pobres. Era comum se reunirem duzentas ou trezentas em nosso restaurante. Absteve-se do jogo, não fumava, mas bebia um pouco mais do que eu supunha o certo. Com duas exceções, nunca o vi de fogo. Ele nunca nos disse que gostava de poesia, mas certa vez mandou que plantassem trezentos e sessenta pés de girassol no fundo do quintal da nossa casa. Depois que as plantas cresceram, ele ficava toda tarde um tempão lá no fundo, sentado num banquinho improvisado de madeira, sorrindo, encantado, tomando vinho vermelho — e olhando os girassóis girarem... Meu pai, portanto — e no fundo — talvez não fosse apenas um simples comerciante atarracado e ex-delegado de polícia. Talvez fosse um poeta. Pena que não teve tempo de ficar completamente louco: morreu aos 49, por erro de um médico que tinha a morte até no nome.

O vinho é feito de agulhas, meu copo um dedal. Costuro à mão pedaços da infância — com eles faço um lençol. Peço à Lorenna que me cante cantigas de natal da Idade Média, e ouço a Singer rangendo seus pedais no meu CD. Minha mãe também costurava com linhas de cor, pregava remendos bonitos, trocava meus botões, lavava roupas de amor. Vejo até sabão de cinzas no fogo forte que tanto me arde agora no rio do peito, espumas de lembranças incendiadas.




Carta que escrevi a ele em 28.02.1978.


RECOMENDAÇÕES DO MEU PAI

Além das suas recomendações sobre sempre respeitar a propriedade alheia — e nunca usar sapatos velhos — há outras dele das quais agora me lembro:



2. Não carregue pacotes.
4. Seja dono do teu próprio negócio.
5. Beba pouco.
6. Estude bastante.
7. Não fume.
8. Não transe com as empregadas.
9. Não minta — exceto se for para salvar a vida.


Quando morreu, ele trazia no bolso, na carteira de couro marrom, uma carta, dobradinha, meio amarelada e com sinais evidentes de muitas leituras. Não sei onde pode estar o original. Talvez tenha tido o mesmo destino daquelas fotos que as doentes rasgaram. Felizmente a memória não se perde. Não é possível rasgar uma lembrança, destruir um símbolo, esconder um coração. Manifestações de amor, como essa do meu Pai ao carregar minha carta consigo — até no dia da sua própria morte —, não se apagam. É uma honra para mim.





Hoje, 19 de abril, é aniversário dele.

17.4.24

Vinhos e flores

A vida é uma delícia.

Ainda nem era meio-dia hoje de manhã, e já estávamos tomando vinhos perante um hibisco recém-colhido no Jardim da Casa Azul.


E eu fico aqui pensando sobre meu Bisavô Luiz Marques...


O mestre Antonio Abujamra intepreta aqui o texto que escrevi sobre meu bisavô.



SOU BISNETO DA REBELDIA


Meu bisavô, aos sessenta e dois anos de idade, na década de trinta do século passado, abandonou tudo e apareceu por aqui trazendo no colo uma adolescente chamada Vitalina Maria de Jesus. Um despropósito, disseram todos. Mas o verdadeiro rebelde não hesita entre viver e morrer. O velho Luiz Marques, atolado numa estabilidade massacrante, não havia desistido de procurar aquela coisa que atende pelo singelo nome de felicidade.

Gastou janeiro fazendo planos, um mês inteiro ouvindo vozes, que nem Moisés. E aquela menina passando ali, na frente dele, feito convite, descalça, vestidinho de chita, cabelos soltos, meio ressabiada... Os peitinhos despontando. Então o fazendeiro abandonou tudo: as propriedades e as impropriedades que a elas se ligam, a esposa controladora, os filhos perplexos, as fazendas, as noras, os netinhos, os novilhos e as velhas emoções.

Tudo por causa de Vitalina.

Por aquela menina delicada ele daria o mundo. Por ela, e pelo que então simbolizava aquele amor, ele abandonou mais de mil cabeças de gado e todas as certezas que lhe haviam dado como herança. Era um autêntico rebelde: acabou trocando o futuro garantido e certo, porém morno, por um presente delicioso e faiscante.

Jogou fora o velho baú de premissas usadas, quebrou as algemas — e caiu na Vida. Trocou um milhão de verdades antigas por uma pequena mochila de sonhos. Porque, você sabe, não dá para salvar a alma sem antes salvar o corpo. E o que mais excita o ser humano é a possibilidade aberta de uma nova vida. O respeitável senhor Luiz Marques tomou aquelas decisões que só os grandes homens conseguem tomar: montou o cavalo negro do risco absoluto e partiu! Pois ele também já sabia que o único crime que não tem perdão é desperdiçar a vida. Abandonou tudo para não ter que abandonar a própria existência naqueles caminhos já percorridos.

Não fosse por isso, eu não estaria aqui, agora, à beira do mar, tomando um belo copo de vinho branco e contando essas coisas todas pra você.

Sou portanto bisneto da rebeldia.

Sou bisneto da rebeldia, neto da emoção, filho da loucura, irmão do desejo, primo do prazer, amigo da liberdade, e amante de todos os meus amores.

E existo, por incrível que pareça. No céu da minha boca não há fogos de artifício. Só estrelas.






O texto acima abre meu livro Manual da Separação. Caso queira saber mais, click na imagem da capa:

16.4.24

Os fundamentos de um sonho

Planejamento cuidadoso, disciplina absoluta e flexibilidade conceitual. Sócios brilhantes, capital de sobra, e um excelente sistema de informações. Marketing eficiente, prospecção de mercado, captação de clientes, competência operacional, e boa estrutura administrativa. Comunicação constante. Parceiros confiáveis. Ampla terceirização. E uma rotina de pós-venda de primeira classe.

Eis os fundamentos ☝️ para o sucesso de uma empresa que certamente será grande.

É assim que estou criando as minhas próximas:








Eu adoro a Matemática desde pequenino. Aos oito anos eu já sabia a tabuada do 15 e a regra de três. Aprendi a descontrolar meu mundo com o Teorema de Pitágoras. Aos dez, já era íntimo de PA e PG e de equações exponenciais. Depois, me apaixonei pela Lógica de modo inescapável. Mais tarde, na USP, virei amante excitado da Estatística e da Teoria dos Nós. Vibrei com Fibonacci, e fui fazer computação. Mas tudo isso abraçado a flores e estrelas, e sem jamais abandonar a Poesia. E foi assim, dançando nos versos dos meus sonhos, é que descobri a existência de uma coisa gloriosa, que se chama Divina Proporção. O modo mais brilhante de levantar uma parede ou desenhar uma calçada. O modo mais gracioso de colocar as vogais tônicas nos meus cantos e poemas, e o modo mais elegante de massagear os pés do meu amor.


Foto da camiseta de um amigo meu.


14.4.24

Rotinas prazerosas

Também tenho certas rotinas. Todos os dias acordo naturalmente. Abro a janela do meu peito, sorrio, gargalho, saúdo-me, estico-me, alongo-me, beijo-me. Amo-me, loucamente. Celebro-me! Dou uma espreguiçada orgástica, felina, demorada, inspiro fundamente muitas vezes, faço yoga, leio algo leve, como Lorca ou blog Mude, excito meus neurônios, faço alguns planos, desfaço muitos outros — e então me levanto, em todos os sentidos. Arrumo a cama zen que me abraçou a noite toda e beijo a imagem de quem me deu a vida. Dez minutos de pilates, mil e quatro socos poéticos no ar, e me torno Bruce Lee. Nem sequer me lembro da palavra pressa. Arrumo as flores, rego as plantas, rasgo alguns papéis, falo sozinho, canto, giro e danço...

Viro uma festa.

Depois, medito com ajuda de Beethoven, como fosse um jogo. Faço café com amor e água benta, quase fervida na chaleira que ganhei de minha Mãe. Aprendo uma palavra nova numa língua diferente, e então me sento aqui, ao lado do segundo pé de lírio, pra te contar os meus sonhos.

Mais tarde, vou ver o mar azul do Guarujá — e caio no mundo...

É a vida!











.

12.4.24

O professor

A tabuada não basta. Como não bastam funções hiperbólicas, logaritmos, variáveis complexas, orações subordinadas. Não bastam Euclides e sua geometria, não bastam as teorias. O professor deve ensinar ao aluno a arte de viver com dignidade, com amor, com liberdade.


Não basta falar das guerras, das batalhas, das conquistas — tem que ensinar o aluno a conquistar-se primeiro a si próprio. Ensinar-lhe medir distâncias é pouco — necessário vencê-las. Não basta saber o nome dos rios, temos que fluir. Equações algébricas não resolvem tudo, antes é preciso resolver-se. Em vez das mentiras históricas, o professor deve ensinar as verdades, e o melhor modo de encontrá-las.


Não basta falar de política, o professor tem que ser democrata. Deve olhar nos olhos do aluno e dizer-lhe como a vida é. Aumentar-lhe a coragem de crescer. Ensinar-lhe a lógica das emoções e o amor pelo raciocínio. O professor transmite sabedoria, incentiva o bom senso e o bom gosto. Mergulha fundo no oceano de dúvidas que o aluno tem no coração, e traz o tesouro pulsante lá submerso. Educa, orienta, aviva a chama na consciência de cada. Ao polir a pedra bruta consegue intenso brilhante. Bom professor é aquele que não exige, não cobra — obtém. Não corrige — mostra o porquê. Não hesita quando avalia, não constrange quando examina. E nunca faz da nota uma espada.


O bom professor não só ensina, compreende. Não levanta a voz, amplifica o verbo, convence. É sério — mas ri da própria seriedade. Fala do êxtase, da alegria e da profunda emoção que explode no seu peito quando ensina, como pétalas no riso de quem ama.


O professor mostra ao aluno a diferença entre o silogismo e a serpente. Ensina-o a extrair raiz quadrada com poesia. Demonstra como ser ousado sem ser burro. Jamais abusa da confiança do aluno, não lhe invade o espaço, não procura condicioná-lo. Não cria relações de dependência, nem exerce dominação sádica sobre ele. Infunde-lhe o respeito absoluto pela vida. Prefere o aluno criativo ao bem-comportado. Nunca o explora, é só o conquistador de um novo mundo, que leva o aluno a ver mais — mais alto e mais longe.


Não levanta paredes em torno do aluno, e sim derruba aquelas que houver. Abre-lhe as portas da vida, com veemência. Não o repreende, não o censura, não o recrimina. Mostra ao aluno a importância da inteligência na determinação do seu futuro. O velho dilema entre a caneta e a vassoura...


Como Sócrates, o bom professor não vê glórias no que sabe, não esconde o que conhece, nem oculta o que possa não saber. Brinca, tem confiança em si, e não faz da escola uma cela.


Moderno, convence o aluno a saltar os muros da tradição, porque a aventura está sempre do outro lado. Lógico, respeita aquele que aprendeu a questionar. Não o sufoca com preconceitos nem com juízos de valor. Nem lhe causa medo algum. Transmite confiança, pega na mão, aplaude, incentiva, suporta, conduz, ampara na travessia. Não é hipócrita, faz o que diz e diz o que pensa. É um farol que não vela o que descobre. Mostra um caminho. E não apenas mostra — demonstra, comprova, define.


Aranha em teia de luz, o professor não prende — liberta. Carrega o giz como fosse uma flor, com amor. E quando faz a linha tem firmeza, mas não separa. Ora Dali, ora Picasso, vai colocando a tinta, pondo seu traço, amando seu gesto, compondo a canção. Enaltece o risco do sonho, o círculo do fogo, a pureza da alma, o princípio da vida, o anel da esperança.


Considera o aluno obra de arte quase inacabada. Ama-o como se fosse um anjo. E nunca vai matar-lhe no peito a vontade de ser livre.


O professor é o amigo sincero que ajuda o aluno a superar os limites da vida, desbravando com determinação e ousadia essa fantástica região chamada Experiência.



Enfim — o professor é o Mestre.




www.EdsonMarques.com


Hoje eu conheci a Professora Guilhermina, que deu aulas no Rodeio. Ela precisava até de um banquinho para subir na carroça que a levava até a escola. E esta publicação é uma homenagem a ela.




O novo livro a ser lançado em Julho de 2024.


10.4.24

Vaso de lírios

Já comi ¾ de laranja e uma banana caturra, tomei meio copo de leite frio e 252 ml de água benta. Também já dei banana aos sanhaços e aguei os espíritos amorosos que moram nos pezinhos de lírio — que agora são onze...

Ainda no mesmo vaso tem dois pezinhos de laranja e dois de melancia, que brotaram espontaneamente, e viçosos.

Vou agora fazer um café colorido em homenagem a um dos meus dois ancestrais preferidos: Leonardo da Vinci.

Depois, descerei ao mundo para ampliar meu foco.

É a vida.

🔴

Escrito em 09.04.2013.





9.4.24

Respeitar os amores

Eu respeito sempre os meus amores. Assim mesmo: no plural. Tenho muitos. Sempre os tive. Mas, quando eu digo "respeitar os meus amores", às vezes refiro-me às pessoas que eu amo, outras vezes às coisas que eu sinto.

Portanto, respeitar os amores, tanto pode significar respeitar as vontades (desejos, critérios, preconceitos) de pessoas que eu amo (e que às vezes suponho que me amem), quanto seguir livremente as paixões (desejos, critérios, loucuras) que eu trago no meu próprio peito, e são só minhas.

Dito de outra forma:


💙


8.4.24

Sete personagens à procura de Mim

1. A trajetória da minha vida nem sempre coincide com a trajetória dos meus sonhos. Mas eu vivo procurando juntá-las.

2. Todo poeta é gerado com orgasmo. Aliás, "Espírito Santo" é a melhor metáfora para Orgasmo que alguém já conseguiu imaginar.

3. Comer o pão que o diabo amassou é um horror. Mas, muito pior, é amassar o pão pro diabo comer.

4. Acho impossível ter duas vezes a mesma tesão pela mesma pessoa numa única vida.

5. O amor é um alimento perecível. Às vezes, para que não apodreça, tem que ser guardado no freezer.

6. Que vontade de comer de novo aquela flor de abóbora à espanhola, feita por minha mãe!

7. Não adianta viver atrás do Sonho. Muitas vezes, é preciso ir à frente dele.

8. A palavra Google está contida em "George Orwell"...

9. Não é fácil ser aventureiro... Primeiro jogar o coração no abismo — e só depois saltar atrás dele. Não é fácil.

10. O casamento só viceja em catacumbas.

11. Existem três tipos de amor: o da mãe por seu filho, o do homem pelas mentiras, e o meu por você.

12. O excesso, a excentricidade e os milagres: nós temos essas três coisas, incomuns.

13. Minha Mãe queria que eu fosse um filho pródigo. Meu Pai, um filho prodígio. Para não desrespeitá-los, tive que ser ambos, simultaneamente.

14. Por que não fiz vasectomia? Ora, porque um dia ainda posso ter um filho, cujo nome será Lúcifer Marques. E, se for menina, espero que a mãe concorde com o nome que já escolhi: Estrela Viva Marques de Alguma Coisa.

15. Claro que me arrependo de um monte de coisas que já fiz. É preciso ser imbecil completo para não se arrepender de nada.

16. Meus cinco maiores sentidos são os meus cinco maiores amores.

17. Jesus, ao defender Madalena naquela maravilhosa cena do apedrejamento: "Que atire a primeira pedra aquele que ainda não a pegou".

18. Jesus deve ser sempre respeitado. Eu o respeito ao meu modo. E se isso não te agrada, é uma pena.

19. O amor é uma curva.

20. Eu tinha um cavalo chamado Estrela.

21. Segundo a OMS - Organização Mundial da Saúde, a adolescência começa aos dez anos. A minha começou aos sete. Em quase todos os sentidos: eu já trabalhava no armazém do meu pai, somava as contas de cabeça, comia pão sovado o dia inteiro, e nunca roubei no peso. Ah, eu também já amava Marina, em todos os sentidos...

22. Eu procuro nascer de novo em todos os lugares onde sou estrangeiro.

23. Minha Mãe até hoje não entende muito bem por que, no dia em que eu nasci, chegaram à nossa casa aqueles três desconhecidos trazendo ouro, incenso e mirra.

24. Acabo de ligar pra Joyce Ann em São Paulo. Ela está escrevendo um livro cujo título é "Coração Diamante".

25. Às vezes, uma pergunta simples pode exigir uma resposta complexa.

26. O caminho que eu tomei, eu não sei onde vai dar. Só sei que é meu e livre.

27. Rosângela publicou hoje a minha frase:
"Quero ser livre, meu Amor: arranca-me de dentro de ti."

28. Por que quase parei de escrever "The Master of Jesus"? Será que devo transformar em peça? Ligar pro Abujamra. Tenho que terminar a peça pra ele!

29. Tem dias que altero Paulo Leminski, outros altero Fernando Pessoa. Quem sou eu para deixá-los sozinhos?

30. Que me desculpem o narcisismo, mas às vezes eu preciso falar de Mim na primeira pessoa.

31. Musa não tem sobrenome.

32. Jesus era um garoto judeu travesso que só ele. Com seis anos quebrou a moringa, e teve que trazer água nos panos da camisa. Milagre ou metáfora? Ou esperteza de criança: torceu a camisa no pote...

33. A liberdade deve ser conjugada e não adjetivada.

34. Minha loucura é crística.

35. Navalha de Occam. A explicação mais simples para o mesmo problema? Estudar também o Princípio do Duplo Efeito.

36. Suzana tinha o cheiro de jasmim florescendo em noites de luar.


/////

Essas coisas eu as escrevi em 01.02.2008, entre 13h e 16h, enquanto almoçava num restaurante nordestino, o Pedra Baiana. Mostra um pouco do meu processo criativo. São idéias que anoto, como surgem. Não alterei nada: só as transcrevi, numerando-as. Embora possam ser refinadas mais tarde, algumas jamais serão publicadas. Foram escritas nas páginas iniciais do livro "Vida", do Paulo Leminski, que eu estava lendo. Parte delas irá para o livro The Master of Jesus, que escrevo em parceria com Paritosh. Quando o vinho acabou, tomei dois cafezinhos e voltei pra ver as obras do Brasil Colonial.



Ressalva em benefício da minha sanidade (ou da minha Loucura): certas frases serão ditas por personagens do meu livro "The Master of Jesus".

A frase número 11 é quase toda de James Joyce. Ele disse que "só existem dois tipos de amor: o da mãe por seu filho, e o do homem pelas mentiras". Não concordo, mas é uma frase de efeito. Também por isso, acrescentei o terceiro tipo.

Certas anotações são de agenda, mas resolvi mantê-las na ordem em que foram escritas.



Eis a obra que eu estava fazendo em Fevereiro 2008.

5.4.24

A criança


Hoje eu quero de volta a bicicletinha vermelha que ganhei do meu Pai. Quero de novo abraçar minha Mãe e comer o manjar de bananas que ela fazia pra mim. Quero ser recebido com festa pelo Swing quando eu chegava da escola. Acariciar com raspadeira de alumínio os pelos macios do Estrela, meu alazão espanhol. Quero jogar bolinha de gude na rua São Pedro, e depois comer queijo assado na palha de milho na casa da Vó Vitalina. Hoje eu quero de novo minha vida um carrossel. Quero torná-la roda gigante, girassol, montanha russa outra vez.


Sem colírio, chorarei.


Eu descendo de mim.


Foto minha aos seis meses de idade, 
feita por Gustav Jansson.

3.4.24

Momentos de cetim

Cruciais e deliciosos, estes momentos que atravesso e que hoje me tocam docemente. A vida encontra-me agora voando nas asas da coragem. Minha profissão é gloriosa: Sou amante do Risco e do Instável, do Incerto e da Surpresa. Entre um largo muro de cimento preso ao chão e a corda bamba de seda à beira do abismo — opto por esta, sempre. Sou um trapezista alucinado e racional no escandaloso Circo da Emoção. Todos os meus saltos são imortais, alegres e profundos. Eu viro a lona azul do céu que me descobre pelo avesso. Meu coração não tem juízo... Como poeta libertário, seria pouco não fosse assim. Porque não tenho razões para ser de outra forma. Se posso ser tudo, não preciso ser médio nem comedido — e não quero ser nada além de mim. Amo a Liberdade como se não pudesse amar outra coisa. Não consigo mais viver em conta-gotas: eu agora só vivo aos borbotões.




31.3.24

Aniversário da Mãe

Hoje (*) é aniversário da minha Mãe. E agora me lembro das canções de ninar que ela cantava para que eu não dormisse — do Kyrie Eleison ao Noel Rosa. Eu me lembro do conselho que sempre me deu: que eu nunca deixe de ser Eu. E me lembro do dia em que eu nasci: era um dia de duplas esperanças. Era uma noite de luar azul escandaloso. Era um sábado de aleluias e esperas, de poesia e de romance. Era uma casinha de madeira e primaveras, ao lado de uma roseira branca, no finzinho de uma rua principal. Era hora de metáforas, era hora de loucuras. Como toda musa entusiasmada era fora deflorada com amor e alegria por um louco jogador — que se chamava Lúiz. Era outra vez madrugada e ela encantada outra vez. Foi então que essa Mulher sagrada decidiu me dar A Luz. E deu. Era o começo de duas histórias de Amor.


Essa foto foi feita há 13 anos. Logo, ela está hoje cerca de 19,75% mais velha. Mas continua saudável, sorridente, bem-humorada. Aliás, eu nunca vi minha Mãe triste. Sempre cantando, sempre alegre, agitando as circunstâncias. Nunca brigamos, eu e ela. Nenhum tapinha, nenhum puxão de orelhas, nenhum grito. Nós dois sempre nos compreendemos um ao outro. Como sou-lhe o primogênito e (suponho) ainda o preferido, há toda uma mitologia em torno disso... rs! Acho que até Einstein explicaria melhor do que Freud essa nossa maravilhosa relação de Amor.

(*) Texto escrito em 02.01.2013.



29.3.24

A Nova Páscoa

Segundo a Bíblia, Jesus ressuscitou após três dias da sua morte biológica, num processo de religação do seu corpo à sua alma. E na Páscoa celebra-se exatamente isto: a volta de Jesus ao mundo matematerial, levantando-se do seu sepulcro, e ressurgindo perante Madalena, primeiramente (João 20:10-18). Esse retorno, essa passagem de volta a este mundo, essa ressurreição é comemorada na Páscoa.

Tal concepção de ressurreição está na Bíblia, explicitamente, e é assim entendida por todos os teólogos e cristãos nos últimos dois mil anos. Mas eu defendo uma tese diferente. Para mim, a verdadeira ressurreição de Jesus foi quando Ele morreu. Quando ele deixou esta vida e renasceu para a outra. Para aquela de onde ele supostamente veio.

Esta é a minha tese. Como Jesus foi o maior criador de metáforas, um mestre das parábolas, entro no jogo dele e crio uma nova. Quando se diz “ressuscitar”, isso, segundo aqui proponho, quer dizer “renascer para a outra vida” — não para esta. Não é o retorno a esta, mas o retorno à outra.

(...) 

A Bíblia relata dez casos de ressurreição: três no Antigo Testamento e sete no Novo. A Bíblia (em Mateus 28:5-6) diz claramente que Jesus ressuscitou dos mortos:

"Mas o anjo disse às mulheres: Não temais vós; pois eu sei que buscais a Jesus, que foi crucificado. Não está aqui, porque ressurgiu. (...) Vinde, vede o lugar onde jazia."

Ou seja, segundo a Bíblia, o Corpo deixou o sepulcro e viveu novamente. E depois teria sido visto, andando, por muitas pessoas, incluindo Madalena e os apóstolos.

28.3.24

Os gatos da Casa Azul


Click na imagem para ver detalhes.
Bolinha (Snow), William Blake (Fumaça) e Max Von Braun (Pequerrucho). Até agosto do ano passado eram cinco. Viajei, eles se sentiram meio abandonados, sumiram, mas agora estão voltando. Amorosamente.


26.3.24

Dois caminhos



Ou você segue o caminho da Tristeza,
arma-se de medo e de falsas alegrias,
arma-se de angústia, fecha os olhos, se acomoda,
e segue o rebanho dos que não sabem;
obedece a regras injustas, não reage, não questiona,
não se aprimora, não lê, não significa,
nem percebe o absurdo em que se mete.
Vende a própria natureza
por duas ou três moedas de aço,
troca a inocência pela responsabilidade apressada,
torna-se respeitável aos olhos da sociedade,
cumpre horários, nunca tem tempo,
preocupa-se com coisas banais.
Comerciante das próprias emoções — já não brinca,
vive correndo, ama com pressa,
esquece-se da lua,
e se torna uma pessoa média, mediana, medíocre,
pequena, cansada e normal...


Ou você escolhe o caminho da Ousadia,
compreende, se aprofunda, vai mais longe, realiza,
respeita o ser humano que existe em você mesmo,
resgata a própria vida e o sorriso,
rompe de vez com o passado agonizante,
procura defender a verdade, a justiça e a poesia,
acorda e assopra o fogo da alma que dormia,
cavalga o cavalo negro, cego e alado
das paixões gostosas e sublimes,
enche o peito de coragem, corações e relâmpagos,
acende de novo esse vulcão que é o teu corpo,
deixa a própria cabeça plena de agora,
de ternura e de vertigem,
e parte em busca de Aventura, de Amor e Liberdade.


É uma simples questão de escolha.


Qual é o teu caminho? 









21.3.24

A nova Vida

Às vezes nós temos que desistir da nossa vida antiga. Das velhas razões. Das velhas relações. Das velhas emoções. Desses móveis quadrados que nos imobilizam... 




19.3.24

Deu certo, felizmente!

A vida é um jogo, e eu precisava de riscos. Se eu não mudasse, afundaria junto com as circunstâncias. Era preciso, portanto, que eu sumisse dali, que abandonasse tudo o que me envolvia. Tudo o que me cercava. Tudo: o Pai, os irmãos, a família, os amigos, a escola, o restaurante, o professor. O time, o futebol, as duas namoradas, minha Vó, meus espetos de picanha e o cheirinho de carvão. Eu tinha que abandonar tudo, inclusive minhas idéias, especialmente as preconcebidas. Os cobertores azuis, a pátria, a religião, e até mesmo o meu querido cavalo Estrela. Eu tinha quinze anos. E tinha que abandonar tudo, até mesmo as alegrias. Meus lençóis branquinhos de algodão, meu quarto, minha mesa, meus livros, meu baralho, meus recortes de jornal e meu jogo de xadrez. Eu tinha que abandonar TUDOmenos a Mãe — e antes que chegassem a acomodação e a certeza de um conforto carcereiro absoluto. Eu precisava me desligar daquele passado, urgentemente. Eu precisava me salvar. Então, montei um Plano de Salvação. Enchi meu peito de futuro e de coragem, de alegria e de relâmpagos — e mergulhei de cabeça na incerta e gloriosa correnteza da vida. Nas águas revoltas do coração poético do mundo lívre.

Deu certo, felizmente.




A vida é um jogo, e eu precisava de riscos.

Aliás, preciso ainda.

18.3.24

A Vida

A Vida é um jogo, belíssimo, onde só podemos ganhar aquilo que arriscamos.
Mas você parece que não anda ganhando muito, nem perdendo muito.
Nenhuma derrota acachapante, e nenhuma vitória inesquecível.
Nenhum ato grandioso, nenhum espetáculo...
Nenhuma desgraça horrorosa, mas também nenhuma paixão infinita.
Nenhuma queda profunda, nenhum salto mortal.
Nem pra cima, nem pra baixo.
Nada!
Nem escuridão, nem brilho, nem glória, nem tragédia.


Assim — a tua vida.

Segura, pacata, certinha, e normal.
Tudo em ordem, tudo estável e bem comportado.
Tudo em brancas nuvens.
Tudo meio morno, meio tépido, meio frouxo, meio mole.
Meio apagado.
Meio cinzento e meio sem graça.


Assim — a tua morte.





17.3.24

Shinese Class

Faz 549 dias (*) que eu escrevo minhas aulas de mandarim e alemão. Uma a uma, dia por dia. Ininterruptamente. 




Daqui uns dois ou três anos vou criar um Escola de Mandarim, onde aplicarei esse meu método de aprendizagem. Que hoje chamo de Walking Shinese. Shinese, com Sh mesmo, posto que brilhante.


Em 23.08.2020, numa tarde ensolarada nas praias do Guarujá, eu já estava na minha aula 125. Click AQUI para ver.




Em 21.01.2023 eu estava na Aula 754.

15.3.24

E se teus Amores fossem eternos

O amor é simples. Mas também complexo...


Se meu amor por Marina (aos sete anos) fosse eterno, eu estaria com ela ainda hoje — e não teria estado com Sandra aos doze e nem teria conhecido Suzana, que é uma deusa inesquecível. Se eu tivesse ficado com Suzana para sempre, não teria conhecido Patrícia, nem Vera, nem Alessandra, nem Janaína, nem Carol, nem Beatriz, nem outras mil. Se eu tivesse sido exclusivo de Vera ou Janaína, não teria me apaixonado por Joyce Ann — que ainda é a musa número um. Mas se eu ficasse apenas com Joyce, não teria conhecido a morena maravilhosa de ontem à noite. 

E assim por diante... 

O que me encanta é a liberdade absoluta, incondicional. Aliás, pensando bem, se o amor de Marina por mim também tivesse sido eterno, ela não teria conhecido nenhum dos seus outros amores. Assim deve ter acontecido com todas que eu amei e que me amaram — e que depois tomaram novos rumos. Se eu esperasse (ou, o que é pior, se eu tivesse exigido) que cada uma delas ficasse só comigo, nem consigo imaginar como as coisas estariam hoje. Minha vida certamente seria um pandemônio. Ou eu já estaria meio morto e soterrado por uma avalanche de complicações que isso envolve. Filhos, inclusive.

A ideia de exclusividade amorosa e sexual, se não for espontânea, não me agrada nem um pouco. O amor tem que ser livre — em todos os sentidos — e de todas as formas.



Tomando vinho com  minha Mãe.

13.3.24

Meu comercial

Como já escrevi texto até para um Comercial da Fiat, agora posso fazer este "meu comercial". Dentre os projetos que estou criando, alguns requerem parcerias especiais brilhantes. Neste momento, inicialmente em São Paulo, quero contratar duas ou três advogadas e duas arquitetas — criativas, não fumantes. Se for o teu caso, deixe telefone ou e-mail no formulário de contato do site www.EdsonMarques.com. De preferência, recém-formadas.



Uma nova versão do poema Mude, com interpretação de Antonio Abujamra.

11.3.24

Se eu pudesse

A vida é muito curta.

Isto é fatal.

Mas,
se eu pudesse começar de novo,
tomaria certos cuidados que nem sempre tomei:
Jamais teria permitido que me prendessem,
ainda que em nome do amor.


Teria quebrado as correntes logo no início.

Teria tido menos pressa
e mais coragem.

E nenhum sentimento de culpa.

Daria valor secundário
a todas as coisas secundárias,
e consideraria secundário tudo aquilo
que não tivesse o efetivo poder de causar
mudanças significativas no rumo
da minha vida.

Todas as manhãs começariam
com meditação, orgasmo e frutas leves.


Se pudesse começar de novo,
dançaria muito mais
do que dancei,
e brincaria muito mais do que brinquei.

Minha Vida seria uma festa...

Se pudesse mesmo começar de novo,
seria mais espontâneo.

Seria mais ousado:
A ousadia move o mundo.

Desobedeceria
todas as regras injustas,
e afastaria os preconceitos e a hipocrisia.

Procuraria respeitar sempre
o Deus de cada um.

Teria viajado muito mais do que viajei.

Correria mais riscos.

E teria tido seis milhões de amores profundos...

Se eu pudesse começar outra vez,
iria aprender com os erros dos outros,
e com os acertos também.

Andaria mais leve:

não levaria comigo nada que fosse
apenas um fardo.


Não teria desperdiçado tanta vida
e tanto tempo.


Não teria tentado salvar todo mundo.

Amaria muito mais a liberdade.

Viveria cada minuto
como se Deus
derramasse flores e estrelas na minha cabeça.

Tentaria uma coisa nova
todos os dias.

Em tudo que fizesse colocaria
mais Poesia,
mais Amor, mais Alegria.


E teria feito a opção de ser feliz
muito mais cedo
do que fiz.


Edson Marques

Manual da Separação
página 71



Este meu texto (apenas o tema) foi inspirado num poema chamado INSTANTES, erradamente atribuído a Jorge Luís Borges. Veja detalhes AQUI e também no Jornal de Poesia. (uma explicação.)



Eu optei por ser feliz aos doze anos de idade. Já lia muito, inclusive Pitágoras, Neruda e Karl Marx, mas não foram (só) esses três que iluminaram os meus caminhos. Eu olhei para os lados, e vi a vida sem graça que as pessoas do meu meio viviam. Aquilo me chocava. Eram pessoas infelizes, que só reproduziam relações antigas, só seguiam as regras. Acomodadas e passionais. Então, analisei as circunstâncias, vislumbrei um futuro, estudei ainda mais — e tomei a decisão. Conscientemente. Elaborei um Plano de Salvação. E o segui à risca. Com disciplina, com amor, com muita leitura, com estudos profundos, com determinação.

Deu certo.

Esse poema, portanto, não foi feito para mim, pois a a maior parte do que ali se diz eu já faço desde que me conheço por gente. Cometi alguns erros, é claro. Liguei-me quatro ou cinco vezes a pessoas ciumentas, e sofri por manter tais relações por períodos demasiado longos (no total dessas relações, perdi uns três ou quatro anos de vida). Por descuido, também tomei algumas decisões equivocadas, em outras áreas, mas tudo se resolveu a seu tempo. O que lamento mesmo, e lamentarei até o fim dos meus dias, é ter perdido aqueles quase três ou quatro anos com pessoas muito ciumentas. Esse tempo é irrecuperável. Houve também alguns jacarés nos quais depositei confiança e saquei mordidas — mas essa é outra história...

9.3.24

Decisão Original

 


Às vezes, como nesta madrugada de sábado e bem no meio de uma dose de absinto, temos que tomar duas cervejas:

uma Original e uma Decisão.

8.3.24

Dia das Mulheres

MULHERES

Não me bastam os cinco sentidos para perceber-lhes toda a beleza. Não me bastam os cinco sentidos para viver com totalidade o mistério profundo que elas trazem consigo. Eu tenho é que tocá-las, cheirá-las, acariciá-las, penetrar-lhes o sorriso, sentir o seu perfume, beijar-lhes o céu da boca, ouvir suas histórias, transformá-las em deusas. Tenho que dar-lhes o amor que o meu corpo conduz e sustenta-me a alma. O belo amor natural por todas as coisas do mundo. Como espelho de paixões em labareda, tenho que sentir nos seus olhos um raro brilho diamante.

Eu as respeito e as venero — com a graça de um cisne que dança num lago tranqüilo e a ousadia de um touro selvagem recém-despertado. Não lhes faço perguntas, não as pressiono por nada, não lhes tiro a liberdade, não quero mudá-las jamais. Sempre imagino o que estejam sonhando, e pulo de cabeça no sonho delas. Cavalgo o vento para visitar-lhes as razões, as emoções e as loucuras. Como um deus escandaloso e surpreso por sua própria criatura, entro no coração de cada uma delas, deliciosamente, como se entrasse numa pulsante catedral. Mergulho na essência dos seus desejos e cada vez me espanto mais com tanta fantasia. Os cinco sentidos, por não serem precisos, ainda não bastam, e preciso mais do que isso para compreendê-las.

Toda mulher é silenciosa por dentro. A existência pura se manifesta em cada detalhe. Assim na terra como no céu, amar as mulheres é uma experiência religiosa. E eu as amo, fina substância, como deve amar quem ama de verdade — incondicionalmente. Sem ciúmes. Eu amo as morenas, as loiras, as baixinhas, as altas, as lindas, as quase feias. Amo as virtuosas, as magras, as gordinhas, as diabólicas, as tímidas — e até as mentirosas. As iluminadas, as pecadoras, e as santíssimas. Amo as virgens, as pobres, as ricas, as loucas, as muito vivas, as inocentes. As bronzeadas pelo sol, e as branquinhas. As inteligentes — e as nem tanto. Desde que sensíveis, eu amo as jovens, as maduras, as solteiras, as casadas, as separadas. As bem-amadas, e as abandonadas. As livres, e as indecisas. E se me dessem o poder, o tempo e, principalmente, a chance, eu a todas elas daria, todos os dias, um êxtase cósmico, poético e sublime.

Apanharia flores silvestres, tomaria sol com todas elas, todo dia. Andaríamos descalços na areia, contemplaríamos crepúsculos cor de abóbora, jantaríamos à luz de velas, dançaríamos, tomaríamos vinho branco, olharíamos as estrelas. E eu lhes faria poesias de amor. Puro como um anjo, amaria cada uma delas eternamente — uma por vez. Com delicadeza, com doçura, com profundidade, com inocência. Entusiasmado, como se cada uma fosse a única. Como se no mundo inteiro não houvesse mais nada, nem ninguém.

Todas as noites, eu passaria cremes e encantos no seu corpo. Falaria sobre fábulas, contaria histórias românticas, as veria dormir. Ouvindo Beethoven, velaria por um tempo o sono delas, e, de madrugada, antes do sol raiar, antes do primeiro pássaro cantar, as cobriria com o resto de luar que ainda houvesse, e sairia em silêncio. Como um felino lógico, sensual e saciado, deslizaria pelo cetim azul-celeste dos lençóis, saltaria por sobre todas as metáforas — e sorrindo iria embora.

Enfim, se por acaso fosse Deus, eu com certeza não mais ficaria cuidando do universo e dessas outras coisinhas banais. Não ficaria controlando o destino das pessoas, o tempo, os compromissos, a pressa, o caminho dos planetas, a economia, o cotidiano, o infinito, os genes, a Internet, a geografia...    Não!

Eu somente iria amar as mulheres, como elas merecem — e como nunca foram amadas.


Só isso, definitivamente. Nada mais, nada mais!





6.3.24

A clavícula de Afrodite



Nesta noite vitoriosa e de amor escandaloso a própria lua pára atônita no céu e nos assiste. Num voo imaginário de pássaro surpreso, meus doces lábios de morango tocam de passagem tua boca entreaberta: duas ou três gotas de champanhe caem no teu mamilo pontiagudo, como chuva de cristal no Pico do Everest. Ajoelho-me ao teu lado, e teu corpo já não é mais apenas o teu corpo: é uma catedral...

Como em liturgia, sussurro uma breve oração poética, uma prece de amor, e teu instinto felino salta por sobre os meus propósitos. Nossas humanas emoções se instalam de repente, porque tua inocência é o maior afrodisíaco. O infinito brilho nos teus olhos me fascina — outra vez — e então concluo que viver não tem limite:

Sinto-me agora como se Deus derramasse mil flores recém-colhidas na minha cabeça.


Só me resta beijar tua clavícula, meu amor.